quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Evolução da população das regiões brasileiras nos últimos 50 anos

Nos últimos 50 anos, a população brasileira teve seu efetivo mais que duplicado (2,4 vezes), passando de pouco mais de 70 milhões em 1960, para cerca de 170 milhões segundo os dados do censo 2000. Como pode se ver, ao longo da segunda metade do século XX, o contingente populacional brasileiro foi acrescido de aproximadamente 100 milhões de pessoas, isto é, quase três vezes a população da Argentina.Se em números absolutos a população sempre cresceu, a taxa média de crescimento anual vem apresentando significativa diminuição. Assim, segundo o censo de 1960 (que revelou as tendências demográficas da década anterior), o ritmo de crescimento da população brasileira naquela data era ligeiramente superior a 3,0%. O censo de 2000 revelou que esta taxa caiu para quase a metade (1,6%). A principal explicação para esta queda tem sido a redução do ritmo do crescimento vegetativo, causado principalmente pela expressiva queda das taxas de natalidade. Grande parte dessa situação é decorrência do intenso e rápido processo de urbanização pelo qual o país vem passando.Quando analisamos o crescimento populacional sob a ótica das regiões político-administrativas que compõem o país, poderemos constatar uma série de fatos. Primeiramente, a população absoluta de todas as regiões apresentou um expressivo crescimento, embora o ritmo desse incremento tenha sido bastante diferenciado. Por exemplo, as regiões Norte e Centro-Oeste tiveram no período, um ritmo de crescimento sempre superior a média brasileira, enquanto a Região Nordeste sempre foi aquela área do Brasil que apresentou os menores índices de incremento populacional. Essa variação nos ritmos de crescimento é explicada fundamentalmente por dois aspectos: as diferenças na intensidade do crescimento vegetativo de cada região e as migrações internas.Neste ponto, vale a pena chamar a atenção para outros dois aspectos da evolução demográfica das regiões. O primeiro deles é que, embora o crescimento vegetativo venha apresentando uma queda de ritmo em todas as unidades regionais, este decréscimo tem se verificado de forma diferente no tempo e no espaço. Assim, nas regiões consideradas mais desenvolvidas (Sul e Sudeste), a diminuição aconteceu antes que no Norte e Nordeste, as duas áreas tidas como as menos desenvolvidas do país..Um segundo aspecto é que o comportamento das migrações internas também mudou, especialmente no que diz respeito às origens e destinos dos deslocamentos. Entre as décadas de 1950/70, os mais expressivos fluxos populacionais verificavam-se entre as regiões (especialmente do Nordeste para as outras unidades regionais) e tinham fundamentalmente origem rural e destino urbano. Da década de 1980 em diante, os mais expressivos deslocamentos internos da população passaram a ser mais intra-regionais e ter origem urbana (pequenas e médias cidades) e destino urbano (médias e grandes cidades).Apesar de todas transformações pelas quais o Brasil passou nos últimos 50 anos, praticamente não houve alteração no ranking das regiões mais e menos populosas do país. Aquelas com maior população absoluta atual, isto é, a Sudeste (72,3 milhões), a Nordeste (47,7 milhões) e a Sul (25,1 milhões) mantiveram-se, como em 1960, nas primeiras colocações. A única modificação ocorreu na colocação das regiões Norte e Centro-Oeste que contam hoje, respectivamente, com 12,9 milhões e 11,6 milhões de habitantes.Até o censo de 1980, o Centro-Oeste era mais populoso que o Norte, situação esta que se inverteu em 1991. A explicação para o fato é principalmente de natureza político-administrativa: em 1988 foi criado o estado do Tocantins, desmembrado de Goiás, um estado do Centro-Oeste. O novo estado foi então incorporado à Região Norte que, com isso, passou a ter cerca de 900 mil pessoas a mais em seu efetivo populacional.Uma evolução peculiar: o caso da Região NorteA Região Norte que possuía cerca de 2,5 milhões de pessoas em 1960, teve seu efetivo aumentado cerca de 5 vezes, passando para quase 13 milhões em 2000. O ritmo de crescimento da população regional passou por dois momentos distintos. Entre as décadas de 1950 `e 1970, o ritmo foi crescente; nas décadas posteriores, esse ritmo diminuiu. Mesmo assim, desde os anos 70, a região tem sido aquela que apresenta os maiores ritmos de crescimento dentre todas as unidades regionais do país.O aumento do efetivo demográfico da maior e menos populosa região do Brasil, é explicado por um conjunto de fatores onde se ressaltam as migrações internas. A criação da Zona Franca de Manaus, a implantação de projetos agrominerais, pecuários e florestais, a construção de rodovias de integração e a descoberta de ouro, atraíram expressivos contingentes de pessoas de outras regiões, a maioria delas proveniente do Nordeste, Sul e Sudeste.De maneira geral, os migrantes nordestinos dirigiram-se especialmente para o Tocantins, as porções meridionais do Pará, o Amapá e Roraima. Muitos vieram atraídos pela descoberta de veios e garimpos de ouro. Outros, em busca de terras, estabeleceram-se como posseiros em terras devolutas ou de latifúndios improdutivos. Alguns, ainda, se empregaram em projetos minerais, florestais ou participaram da construção de estradas e usinas hidrelétricas.Já os fluxos migratórios originários do Sul e do Sudeste foram atraídos pelos processos particulares de colonização. Implantados por empresas privadas, estes projetos ofereciam terras a preços baixos, especialmente em Rondônia. Assim, paranaenses, gaúchos, mineiros, dentre outros, estabeleceram-se como pequenos proprietários e, não só foram responsáveis pelo surgimento de novas áreas de agricultura comercial modernizada, como também pelo aparecimento e crescimento explosivo de novas cidades.Todavia, o fluxo de imigrantes para a Região Norte na década de 1990, embora ainda expressivo, diminuiu sensivelmente. A migração originária do Sul e do Sudeste praticamente estancou. Rondônia, o maior pólo de recepção de migrantes na década de 70, foi substituído por Roraima na década seguinte. Este último estado, por sua vez, foi substituído pelo Amapá como o maior centro receptivo de migrantes na ultima década do século XX.Por fim, um outro aspecto que vale destacar é o grande desequilíbrio demográfico existente entre os estados que compõem o Norte do país. Assim, o Pará concentra atualmente quase metade (47,9%) da população regional , seguido do Amazonas (21,7%). Portanto, apenas essas duas unidades federativas, das sete que compõem a região, concentram praticamente 70% de todo o efetivo da população regional.

Fluxos migratórios contemporâneos

As migrações internacionais nos últimos dois séculos podem ser divididas em pelo menos três fases distintas. A primeira delas, do século XIX até a Segunda Guerra Mundial; a segunda, de 1945 até o início dos anos 1970 e, a última fase, seria aquela que vem ocorrendo nos últimos trinta anos.A primeira fase teve como uma de suas características principais o fato de que a grande maioria dos imigrantes era originária do continente europeu. Cerca de 50 milhões de europeus deixaram o Velho Continente nesta fase. Essa intensa imigração teve como causa principal uma forte pressão populacional resultante da explosão demográfica pela qual os países do continente vinham passando desde meados do século XIX. É claro que a evolução dos meios de comunicação, especialmente aqueles relacionados à navegação transoceânica, em muito contribui para que esses fluxos acontecessem.Os imigrantes eram originários de toda a Europa, mas os britânicos, italianos, alemães, espanhóis, russos e portugueses se constituíram em mais de 80% do total. De maneira geral, eles se dirigiram para países “novos” como os EUA, que recebeu aproximadamente 33 milhões de imigrantes , a Argentina (6,4 milhões), o Canadá (5,2 milhões), o Brasil (4,4 milhões) e a Austrália (3 milhões). Juntaram-se a estes fluxos aqueles formados por europeus que se dirigiram para as colônias.Um pouco mais tarde o fluxo aumentou por conta dos asiáticos. Primeiramente os chineses e depois os japoneses imigraram para as terras do Novo Mundo. Por volta de 1880, a América do Norte recebeu cerca de meio milhão de asiáticos.O fluxo se modificou no período entre-guerras. Sua principal característica foi a diminuição numérica dos imigrantes, não só pelo alívio das pressões demográficas na Europa, como também pelas conseqüências da Primeira Guerra Mundial. Também contribuiu de forma decisiva a adoção, por parte da maioria dos países tradicionalmente receptores, de leis que restringiam a imigração, especialmente para aqueles que se dirigiam para os EUA. Por fim, a crise econômica desencadeada em 1929, contribui de forma significativa para a redução dos fluxos migratórios.Os fluxos migratórios da segunda fase (1945/70)Depois da Segunda Guerra, os fluxos migratórios mudaram radicalmente. A Europa com o fim do conflito, precisava promover sua reconstrução e, para isso, era necessário um tipo de mão-de-obra não-qualificada para desenvolver determinadas ocupações que um europeu “médio” não estava mais disposto a exercer. O continente europeu deixava de ser uma área essencialmente repulsora de população.A Europa recebeu nessa época cerca de 13 milhões de imigrantes . Os principais países receptores foram a ex- Alemanha Ocidental, a França, a Grã Bretanha, a Bélgica, a Suíça e a Holanda. Á guisa de comparação, no mesmo período, os EUA receberam quase 3 milhões de imigrantes a menos.A origem dos imigrantes também mudou. O Terceiro Mundo forneceu a maior parte dessas dos imigrantes. As razões de saída dos imigrantes estiveram ligadas, entre outros motivos, à pressão demográfica que esses países passaram a sofrer. A bacia do Mediterrâneo forneceu aproximadamente 8 milhões de imigrantes (magrebinos, turcos, iugoslavos) e, ainda que a imigração de italianos e espanhóis para países e regiões mais desenvolvidas da própria Europa tenha diminuído sensivelmente nos anos 1960, os movimentos migratórios que tinham como origem Portugal se prolongaram pela década seguinte..Os outros fluxos em direção ao continente europeu vieram da África.Já os imigrantes que se dirigiram aos EUA tinham como origem o Caribe, o México, a América do Sul e Central, além daqueles originários dos países do Oriente Médio, sul e sudeste asiáticos..Os fluxos migratórios da dos últimos trinta anosPor volta do meio da década de 1970, os fluxos migratórios denominados por alguns como “migrações de trabalho” diminuíram sensivelmente ou simplesmente estancaram em razão da crise econômica e do aumento do desemprego. A imigração clandestina passou a ser o componente maior das migrações que se dirigiam para a Europa e para os EUA.Em função do fechamento das destinações tradicionais, a imigração passou a se dirigir para países como a Itália, Espanha, Portugal e Grécia, aproveitando a entrada desses três últimos na Comunidade Européia. Esses países passaram a ter a função de “escala temporária” em direção aos países tradicionais de acolhimento como a Alemanha e França.Por outro lado, os choques do petróleo tiveram como efeito diversificar os fluxos, já que a “decolagem econômica” dos países produtores, como alguns do Golfo Pérsico, a Líbia, a Nigéria e Venezuela passaram a atrair imigrantes. Essa não foi uma migração durável e nem familiar já que em função de conjunturas econômicas desfavoráveis, muitos desses imigrantes foram obrigados a voltar a seus países de origem. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os imigrantes de Gana expulsos da Nigéria ou os da Tunísia que tiveram que deixar a Líbia.Cerca de 7 milhões de pessoas se dirigiram para países da região do Golfo Pérsico, sobretudo originários de países próximos dos produtores de petróleo, mas também da Ásia de Sul e Sudeste ( filipinos, indianos e paquistaneses).Atualmente, maioria dos imigrantes continua a se dirigir preferencialmente para os EUA e Europa. Em contrapartida, os países onde se originam os fluxos de saída são muito diversos. Um dos aspectos mais importantes dos recentes movimentos migratórios refere-se à composição da imigração. As leis restritivas, paradoxalmente, favoreceram a vinda legal de membros das famílias dos imigrantes já estabelecidos (mulheres e crianças) em detrimento de homens adultos que, por sua vez passaram a trilhar cada vez mais o caminho da imigração ilegal.Nas últimas décadas do século XX, a “imigração familiar” correspondeu a 55% dos imigrantes entrados na Suíça, 70% na França e 90% na Bélgica. A acolhida de refugiados fez seu número aumentar em função da multiplicação dos conflitos regionais. No total, os EUA acolheram 5,8 milhões de pessoas entre 1980 e 1990 e, sem dúvida, quase esse mesmo número somente entre 1990/95.As leis norte-americanas de 1980 e 1986 tentaram regularizar cerca de 4 milhões de imigrantes clandestinos. As quotas, revisadas periodicamente, são fixadas e privilegiam a chegada de mão-de-obra qualificada e diplomada. As admissões passaram a ser bastante seletivas e o imigrante do Terceiro Mundo pobre, sem formação e que não fala a língua do país que o acolhe, praticamente não tem chance de ser aceito. Dependendo do caso, o acolhimento só é possível para refugiados políticos, cuja importância numérica é cada vez maior.Novos fluxos migratóriosSegundo a ONU, em 1995, havia entre 120 e 130 milhões de pessoas vivendo fora de seu país, não sendo contados aí aqueles indivíduos classificados como refugiados. A última década do século XX conheceu uma diversificação das destinações. Os países mediterrâneos componentes da União Européia passaram à condição de terra de acolhimento de imigrantes. Ao mesmo tempo, os fluxos migratórios se acentuaram na Ásia de sudeste e leste.Novos fluxos migratórios ligados à abertura das fronteiras da Europa de Leste e da antiga URSS passaram a se dirigir especialmente para a Alemanha. Antes da queda do Muro de Berlim em 1989, existiam vivendo no Leste Europeu e Rússia, cerca de 4 milhões de alemães; desses, mais ou menos metade retornou ao solo da Alemanha unificada.A Alemanha também acolheu aproximadamente 1 milhão de refugiados das guerras que se verificaram no território da antiga Iugoslávia, fato que reforçou ainda mais a condição de principal país de acolhimento de imigrantes no continente europeu. Hoje, em território alemão, existem cerca de 6,5 milhões de estrangeiros, cerca de 1/3 do total de imigrantes acolhidos por todos os 15 membros da União Européia.Os fluxos migratórios ocasionados pelo fim do bloco comunista são ainda mal conhecidos, visto que o campo migratório continua aberto e amplo. Deve-se lembrar também que cerca de 1 milhão de judeus deixou a Rússia e dirigiu principalmente para Israel.As autoridades russas estimam que as trocas de população entre a Rússia e as ex-repúblicas que compunham a URSS envolveram no mínimo 10 milhões de pessoas. Fora isso, não se deve esquecer que existe algo em torno de 15 milhões de russos vivendo nas ex-repúblicas soviéticas.Entre 1991 e 2000, os fluxos migratórios mundiais em direção à Europa norte-ocidental devem ter sido da ordem de 15 milhões de pessoas, sendo que metade delas vindas do antigo bloco soviético e, o restante, originários do Magreb, África em geral e Ásia.

África: novos conflitos, novos personagens

Esses conflitos, classificados genericamente de étnicos e que eclodem periodicamente em países da África Subsaariana, têm como tônica o envolvimento de povos vizinhos, cujas características são mais ou menos diferentes. Alguns desses conflitos são esporádicos e duram alguns dias ou semanas, como tem acontecido na Nigéria. Outros, como na região da África Oriental (Planalto dos Grandes Lagos), no Sudão, na Somália, no Congo, mas também na África Ocidental (Libéria, Serra Leoa, Costa do Marfim), são bem mais graves e persistentes podendo durar vários anos e têm sido responsáveis por milhões de vítimas.Na maior parte dos casos, os conflitos são internos, entre populações mais ou menos próximas, muitas vezes misturadas, como é o caso de tutsis e hutus em Ruanda e no Burundi. Todavia, tem sido cada vez mais comum que esses conflitos acabem envolvendo países vizinhos, como o que ocorreu recentemente na República Democrática do Congo (ex-Zaire) onde forças armadas de Ruanda, Uganda, Zimbabue e Angola não só tomaram partido das facções congolesas em luta, como acabaram se enfrentando em pleno território congolês.A novidade dos conflitos recentes é que eles não são mais explicados apenas por razões geopolíticas de grande envergadura (tipo capitalismo x socialismo), como acontecia no tempo da Guerra Fria. Por outro lado, a ação de grupos fundamentalistas islâmicos, fenômeno que pode ser considerado de grande envergadura no início do século XXI , têm importância pequena ou quase nula no contexto geopolítico do centro-sul do continente. Vale ressaltar que na região da bacia do Congo e do Planalto dos Grandes Lagos, o número de muçulmanos é bem pouco expressivo e é justamente nessas regiões que os conflitos têm sido mais mortíferos e duradouros.Não se pode também entender os conflitos da África Subsaariana sem se levar em conta a extrema diversidade étnica e lingüística da região e, sobretudo, não se deve esquecer que nessa parte do mundo o tráfico negreiro durou cerca de três séculos. Esse evento histórico deixou marcas profundas no relacionamento entre grupos "capturados" e "captores" que o tempo não tem conseguido apagar.A multiplicação dos conflitos pode ser explicada também pelo crescimento demográfico dos diferentes grupos étnicos e pela necessidade de cada um deles em estender suas terras cultivadas para compensar os efeitos da degradação dos solos. A exacerbação dos conflitos entre hutus e tutsis em Ruanda resultou, parcialmente, da luta por terra férteis num pequeno país cuja densidade demográfica é de aproximadamente 300 habitantes por km2.Ademais, a África Subsaariana tem sofrido, mais do que em outras partes, dos problemas ambientais inerentes ao mundo tropical, sobretudo porque as produções agrícolas se fazem principalmente sobre solos lateríticos pobres e frágeis. Na África, fora dos vales, os diferentes grupos étnicos que praticam a agricultura, cujos rendimentos declinam sistematicamente, se esforçam em estender seu território em detrimento dos grupos vizinhos.Os recentes conflitos africanos ensejaram o surgimento ou realçaram a ação de novos e antigos personagens. Se durante a Guerra Fria as figuras mais importantes dos conflitos eram militares ou homens públicos, hoje seus papéis são, de maneira geral, secundários. Três personagens emblemáticos nos conflitos atuais merecem destaque: o senhor da guerra, a criança-soldado e o refugiado.O senhor da guerra normalmente não pertence ao grupo que está no poder, mas é muito poderoso. Ele é ao mesmo tempo um combatente, um aproveitador sem escrúpulos e um traficante. Combatente, pois é líder de grupos armados. Suas vitórias lhe dão prestígio e seu interesse é prolongar o conflito pelo maior tempo possível.Ele é também inescrupuloso porque se vale compulsoriamente dos recursos da população civil e, eventualmente, interfere ou impede a ação de organismos internacionais de ajuda humanitária. Como traficante, o senhor da guerra participa dos circuitos ilegais de comércio, facilitando o tráfico de drogas, armas e outros produtos como pedras preciosas. Para esse personagem as atividades militares e criminais estão intimamente ligadas. Um dos mais importantes senhores da guerra na África foi o líder da Unita, Jonas Savimbi, que durante quase três décadas dominou amplas áreas de Angola, até ser morto em combate em 2002.Outro personagem dos conflitos atuais é a criança-soldado. Muitas vezes ela tem menos de dez anos e, embora não existam dados confiáveis a respeito, acredita-se que na África existiam pelo menos 200 mil delas. Seu "alistamento" quase sempre acontece de forma brutal. Após ter sido testemunha de atrocidades cometidas contra seus parentes, ela acaba sendo levada, "criada" e treinada pelos algozes de sua família. O desenvolvimento de armas cada vez mais leves pela indústria bélica tem facilitado a ação dessas crianças que, com certa freqüência, encaram os combates como se estivessem participando de uma brincadeira de "guerra".Já o refugiado não tem sexo ou idade; pode ser um homem, uma mulher, uma criança ou um idoso que foram obrigados a deixar o local onde viviam para escapar da guerra e de seu cortejo de horrores. Seu número aumentou consideravelmente nas últimas duas décadas. Uma parcela significativa deles é composta por refugiados internos, isto é, pessoas que saíram ou foram expulsas de seu local de origem, mas não atravessaram fronteiras internacionais.Cerca de 30% dos refugiados do mundo atual encontram-se em solo africano, principalmente em duas áreas. Na África Ocidental, por conta dos conflitos em Serra Leoa, Libéria e Costa do Marfim e na porção centro-oriental do continente, num amplo arco norte-sul que se estende do Sudão, passa pela região "chifre" africano e envolve a região dos Grandes Lagos.

UM “SUBIMPERIALISMO” BRASILEIRO NA AMÉRICA DO SUL?

A expansão de capitais, mercadorias e serviços de origem brasileira pela América do Sul tem causado sérios embaraços para a diplomacia brasileira. O protesto boliviano contra a presença econômica brasileira no país é apenas mais um capítulo da oposição gerada entre os países vizinhos contra a expansão econômica brasileira pela região. As recentes ações contra empresas brasileiras que exploram recursos naturais do país como minério de ferro e gás natural, não são apenas atos isolados do governo Evo Morales, mas contam com expressivo apoio da população boliviana.A principal atingida pela nacionalização da exploração dos recursos naturais bolivianos foi sem dúvida a estatal brasileira Petrobras. A multinacional Petrobras forma verdadeiro monopólio regional ao atuar na exploração, refino, transporte e distribuição de petróleo e gás natural na maioria dos países sul-americanos. Quando é a Shell ou uma das outras “Grande Irmãs” quem expandem seus negócios pelo mundo, chamamos isto de imperialismo. Mas não parece se passar algo diferente com a atuação da Petrobras.Mas a presença avassaladora da Petrobras não é a única queixa de nossos vizinhos. Vale lembrar que da própria Argentina – cuja economia é bem maior que a boliviana – partem constantes reclamações da classe empresarial e de políticos locais contra o que consideram uma invasão de produtos e empresas brasileiras com o advento do Mercosul. Inaugurado pelo Tratado de Assunção (1991), o bloco econômico sub-regional tem sido alvo de diversas críticas também dos países de menor desenvolvimento econômico, casos do Uruguai e Paraguai, que exigem compensações comerciais diante do gigantismo econômico de seus parceiros. Curiosamente, quem ajudou a reverter esse clima político regional desfavorável foi justamente o criticado Hugo Chávez ao inserir a Venezuela e suas ricas reservas de hidrocarbonetos no Mercosul. É verdade que as sementes da discórdia regional já estavam lançadas desde o Tratado de Tordesilhas (1491), que dividia as terras a serem oficialmente descobertas no Novo Mundo entre as Coroas de Portugal e Espanha. Portugal foi continuamente “empurrando” os limites oficiais para oeste, alegando o princípio do uti possidetis, a terra deve pertencer a quem de fato a ocupa. Nesse processo expansionista, a pecuária e a extração da borracha foram atividades econômicas fundamentais para a colonização portuguesa de áreas interiores do continente, e que mais tarde, por exemplo, daria vazão à Questão do Acre, que resultou na amputação territorial (outra vez!) da sofrida Bolívia.Coisas do passado? Atualmente, estima-se mais de 15 mil brasileiros em atividade seringueira no Departamento de Pando, na Bolívia amazônica, e um número ainda mais expressivo de colonos brasileiros voltados para a agricultura comercial próximos da fronteira com o Mato Grosso do Sul. No Paraguai são dezenas de milhares de "brasiguaios" instalados principalmente na agricultura, e também expressivo o número de orizultores e pecuaristas gaúchos em terras uruguaias.O passado de regimes militares também reforçou o clima de desconfiança entre os países da região. A própria construção da hidrelétrica binacional de Itaipu entre Brasil e Paraguai ganhou à época ferrenha oposição de Buenos Aires que alegava necessidade de ampliar a discussão quanto ao uso do potencial energético da Bacia do Paraná de modo a preservar seus interesses nacionais. Para piorar o quadro, a geopolítica brasileira do período era fortemente influenciada pelo pensamento do General Golbery do Couto e Silva, quem defendia abertamente a ampliação da influência brasileira na Bacia do Atlântico Sul e em particular na América do Sul.A redemocratização do continente não trouxe a “paz perpétua” entre os países sul-americanos. Nas últimas décadas, o maior desenvolvimentismo industrial brasileiro em relação a seus vizinhos depende cada vez mais da expansão dos bens e serviços made in Brazil por toda a região. Vale lembrar que cerca de 2/3 das exportações brasileiras para o Resto do Mundo são de produtos de baixo valor agregado e/ou de elevado consumo de riquezas naturais (soja, minério de ferro, café, calçados, suco de laranja, siderúrgicos, açúcar e celulose), o que demonstra ainda mais a importância do mercado latino-americano para a produção industrial brasileira.Não é segredo que as políticas desenvolvimentistas brasileiras experimentadas ao longo do último meio século se valeram da criação de empresas estatais (principalmente indústrias de base como refino e petroquímica) e também da atração de subsidiárias de transnacionais norte-americanas, européias e asiáticas (principalmente indústrias de bens de consumo duráveis como automobilística e eletroeletrônica). A motivação dessas grandes empresas em estabelecerem filiais no Brasil era determinada pela expressividade do mercado interno brasileiro, mas também pela facilidade de acesso aos demais mercados latino-americanos. Esse processo foi experimentado pela Argentina, mas em escala bem menor que a verificada no Brasil, daí também a explicação do “mau humor” dos hermanos em relação à hegemonia comercial brasileira no Mercosul.Mais recentemente o Brasil também tem reforçado sua posição de exportador de capitais para os países sul-americanos, através do direcionamento do sistema financeiro nacional para a viabilização da exportação de bens e serviços produzidos no país, beneficiando particularmente grandes construtoras e empresas de maquinário pesado. Esse foi o caso do financiamento bilionário pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Gasoduto Bolívia – Brasil, além de grande parte das obras de integração dos sistemas de transportes e energia que já se anunciam: metrôs de Santiago e Caracas, ramais de gasodutos na Argentina, asfaltamento de rodovias no Peru e na Bolívia, dentre outras. Diante do exposto, é inegável concluirmos que a expansão da economia brasileira (industrial e de infra-estruturas de transportes e energia), de fato, acaba por fortalecer o papel geopolítico do país na América do Sul, e com isto alimenta as desconfianças entre nossos vizinhos acerca do que faremos com esse poder. Para que se concretize o sonho boliviariano (Simon Bolívar foi o libertador do jugo espanhol para diversos países sul-americanos) de integração regional, será necessário ainda gigantesco esforço diplomático envolvendo o Brasil e seus vizinhos, principalmente porque uma América fragmentada tem servido historicamente apenas aos interesses dos países desenvolvidos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

“É necessário formar sujeitos pensantes capazes de se apropriarem criticamente da realidade. Sujeitos que desenvolvam as capacidades básicas do pensamento, elementos conceituais que lhes permitam mais do que saber das coisas, mais do que receber uma informação, colocar-se ante a realidade, apropriar-se do momento histórico para pensar criticamente essa realidade e reagir a ela.”

NEOLIBERALISMO E CULTURA

MUNDO

Neoliberalismo e cultura
Frei Betto *

O neoliberalismo não visa a destruir apenas as instâncias comunitárias criadas pela modernidade, como família, sindicato, movimentos sociais e Estado democrático. Seu projeto de atomização da sociedade reduz a pessoa à condição de indivíduo desconectado da conjuntura sócio-política-econômica na qual se insere, e o considera como mero consumidor. Estende-se, portanto, também à esfera cultural.
Um dos avanços da modernidade foi, com o advento da democracia, reconhecer a pessoa como sujeito político. Este passou a ter, além de deveres, direitos. Dotado de consciência crítica, livrou-se da condição de servo cego e dócil às ordens de seu senhor, consciente de que autoridade não é sinônimo de verdade, nem poder de razão.
Agora, busca-se destituir a pessoa de sua condição de sujeito. O protótipo do cidadão neoliberal é o que se demite de qualquer pensamento crítico e, sobretudo, de participar de instâncias comunitárias. E para essa cultura da demissão voluntária contribui, de modo especial, a TV.
Em si, a TV é poderoso instrumento de formação e informação. Mas pode facilmente ser convertido em mecanismo de deformação e desinformação, sobretudo se atrelada à máquina publicitária que rege o mercado. Assim, a própria TV torna-se um produto a ser consumido e, portanto, centrado no aumento dos índices de audiência.
Para isso, recorre-se a todo tipo de apelação, desde que os telespectadores sintam-se hipnotizados pelas imagens. O problema é que a janela eletrônica está aberta para dentro do núcleo familiar. É ali que ela despeja a profusão de imagens e atinge indistintamente adultos e crianças, sem o menor escrúpulo quanto ao universo de valores da família.
Se a TV transmitisse cultura - tudo aquilo que aprimora a nossa consciência e o nosso espírito -, ela seria o mais poderoso veículo de educação. É verdade, não deixa de fazê-lo, mas a regra geral não são os programas de densidade cultural, e sim o mero entretenimento - distrai, diverte e, sobretudo, abre a caixa de Pandora de nossos desejos inconfessáveis. A imagem que "diz" o que não ousamos pronunciar.
Ao superar o diálogo entre pais e filhos e impor-se como interlocutora hegemônica dentro do núcleo familiar, a TV altera as referências simbólicas fundamentais do psiquismo infantil. É pelo falar que uma geração transmite a outra crenças, valores, nomes próprios, mega-relatos, genealogias, ritos, relações sociais etc. Transmite a própria aptidão humana de uso da palavra, através do qual se tece a nossa subjetividade e a nossa identidade. É essa interação, propiciada pelo diálogo oral, cara a cara, que nos educa às relações de alteridade, faz-nos reconhecer o eu diante do Outro, bem como as múltiplas conexões que ligam um ao outro, como emoções, imagens provocadas por gestos, expressões faciais carregadas de sentimentos etc.

A fala ou o diálogo demarcam referências fundamentais ao nosso equilíbrio psíquico, como a identificação do tempo (agora) e do espaço (aqui), e dos limites do meu ser em relação aos demais. Se a fala reduz-se a uma enxurrada de imagens que visam a exacerbar os sentidos, as referências simbólicas da criança correm perigo. Ela tende à dificuldade de construir seu universo simbólico, não adquirindo sensos de temporalidade e historicidade. Tudo se reduz ao "aqui e agora", à simultaneidade. A própria tecnologia que abrange distâncias em tempo real - Internet, telefone celular etc. - favorece uma sensação de ubiqüidade: "eu não estou em nenhum lugar porque estou em todos".
Muitos professores se queixam de que os alunos não são tão atentos às aulas. Claro, o sonho deles seria poder mudar o professor de canal... Muitas crianças e jovens demonstram dificuldade de se expressar porque não sabem ouvir. Possuem raciocínio confuso, no qual a lógica derrapa frequentemente no aluvião de sentimentos contraditórios. Acreditam, sobretudo, que são inventores da roda e, portanto, pouco interessa o patrimônio cultural das gerações anteriores (o financeiro sim, sem dúvida).
Assim, a cultura perde refinamento e profundidade, confina-se aos simulacros de talk-show, onde cada um opina segundo sua reação imediata, sem reconhecimento da competência do Outro. No caso da escola, este Outro é o professor, visto não só como destituído de autoridade, mas sobretudo como quem abusa de seu poder e não admite que os alunos o tratem de igual para igual... Ora, já que o professor não "escuta", então só há um meio de fazê-lo ouvir: a violência. Pois foram educados pela TV, onde não há o exercício da argumentação paciente, da construção elucidativa, do aprimoramento do senso crítico. É o perde ou ganha incessante, e quase sempre à base da coação.
Assim, cai-se numa educação qualificada por Jean-Claude Michéa de "dissolução da lógica". Deixa-se de distinguir o prioritário do secundário, de perceber o texto em seu contexto, de abranger o particular no pano de fundo do geral, para acatar passivamente as pressões de consumo que buscam transformar valores éticos em meros valores pecuniários, ou seja, tudo é mercadoria, e é o seu preço que imprime, a quem a possui, determinado valor social, ainda que destituído de caráter.
Demite-se do ato de pensar, refletir, criticar e, sobretudo, participar do projeto de transformar a realidade. Tudo passa a uma questão de conveniência, gosto pessoal, simpatia. Também são considerados comercializáveis a biodiversidade, a defesa do meio ambiente, a responsabilidade social das empresas, o genoma, os órgãos arrancados de crianças etc.
É o apogeu do capitalismo total, capaz de mercantilizar até mesmo o nosso imaginário.
* Frei dominicano. Escritor.